Recordo que, na minha infância, entrei muitas vezes dentro do Café Charlot, bem no centro de Anadia, trespassando até os limites do balcão onde a minha tia Natália e o meu tio Evaristo me esperavam. Esta ação, que realizava sempre na companhia do meu Avô e, ocasionalmente, dos meus irmãos, era um ritual de sábado que, nas férias, se podia estender aos demais dias da semana, começando pela compra do jornal e terminando, precisamente, nos bancos altos do café Charlot. Nesses dias, o café era o meu horizonte e eu limitava-me a olhar com espanto e admiração para as coisas e as pessoas enquanto aguardava o momento para passar novamente os limites físicos do balcão e me despedir dos meus tios até ser sábado novamente ou, como eu mais gostava, chegasse o dia seguinte.
Sim, a Natália do café Charlot morreu no passado mês de junho. E agora, para mim, nesse café apenas vagueiam os espetros do passado que, como fantasmas, revivem a alegria que nunca mais reencontrei. Eu sou um desses fantasmas que se materializa na saudade e nas lágrimas que por ela chora, deambulando, perdido, à espera que venhas abrir o café e me deixes passar novamente o balcão e te peça o beijo que ficará para sempre para dar.
Carlos Vinhal Silva