Opinião: Memórias do Café Charlot

Recordo que, na minha infância, entrei muitas vezes dentro do Café Charlot, bem no centro de Anadia, trespassando até os limites do balcão onde a minha tia Natália e o meu tio Evaristo me esperavam. Esta ação, que realizava sempre na companhia do meu Avô e, ocasionalmente, dos meus irmãos, era um ritual de sábado que, nas férias, se podia estender aos demais dias da semana, começando pela compra do jornal e terminando, precisamente, nos bancos altos do café Charlot. Nesses dias, o café era o meu horizonte e eu limitava-me a olhar com espanto e admiração para as coisas e as pessoas enquanto aguardava o momento para passar novamente os limites físicos do balcão e me despedir dos meus tios até ser sábado novamente ou, como eu mais gostava, chegasse o dia seguinte.

Hoje, olhando para trás, não sou capaz de encarar o passado sem estas lentes saudosistas que me fazem recordar acontecimentos e pessoas que ali via com frequência. Mas são sobretudo as pessoas que alimentam este fogo de rememorações que arde sem se consumir e que me aquece e ilumina pelas ruas paradoxalmente amargas e alegres da memória. Recordo a minha tia Natália e o meu tio Evaristo, como disse; recordo também o meu Avô Zé a quem acompanhava; recordo o Dr. Condesso que tantas conversas travava com o meu Avô; recordo o senhor cujo nome não recordo que se sentava sempre na mesa mais próxima da porta; e recordo também como, quase instantaneamente, todas essas pessoas desapareceram dos olhos do meu quotidiano, especialmente o meu Avô e a minha tia Natália.

Sim, a Natália do café Charlot morreu no passado mês de junho. E agora, para mim, nesse café apenas vagueiam os espetros do passado que, como fantasmas, revivem a alegria que nunca mais reencontrei. Eu sou um desses fantasmas que se materializa na saudade e nas lágrimas que por ela chora, deambulando, perdido, à espera que venhas abrir o café e me deixes passar novamente o balcão e te peça o beijo que ficará para sempre para dar.

Carlos Vinhal Silva

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