Opinião por Carlos Vinhal Silva: Manual de Sobrevivência para um espírito livre num mundo de algemas invisíveis

Na caminhada da história humana, os homens sempre se depararam com dois caminhos: o da submissão e o da resistência. O primeiro apresenta-se frequentemente como uma estrada larga, de fácil trânsito, onde o peso das escolhas parece dissolver-se na aceitação do que está imposto. O segundo, contudo, é um caminho pedregoso, árido, exigindo de quem o trilha uma força que poucos ousam despertar. Entre o conforto da submissão e o risco da insubordinação, muitos escolhem o primeiro, não por covardia absoluta, mas por uma profunda e enganadora crença na inevitabilidade das coisas. A natureza de um regime é cimentar a sua autoridade na passividade dos governados, na medida em que não há necessidade de algemas quando a mente já está amarrada ao hábito ou de impor muros se o espírito estiver encerrado num conformismo autoinfligido. Aqui reside a força dos regimes duradouros: a sua capacidade de convencer os homens de que resistir é um esforço vão, um desperdício de energia face a uma estrutura que se apresenta como inamovível.

Os grandes pensadores, de Espinosa a Kant, alertaram para a inclinação natural do homem à acomodação. A liberdade, embora exaltada em discursos, é um fardo que exige responsabilidade e, ao escolher a submissão, o homem liberta-se desse fardo, entregando-se a um estado de tranquilidade ilusória. Contudo, essa tranquilidade tem um preço: a perda gradual da dignidade e da capacidade de sonhar com algo maior do que a sua própria servidão. Há um paradoxo perverso na dinâmica entre o regime e o indivíduo: quanto mais dura e opressiva é a autoridade, mais forte parece a tentação de se adaptar a ela. A opressão, ao contrário do que se poderia pensar, não gera automaticamente a revolta, gerando, pelo contrário, muitas vezes, resignação, visto que a mente humana, confrontada com a adversidade constante, encontra na aceitação um refúgio contra o desgaste da luta. Assim, o regime não precisa de ser infalível: basta-lhe ser persistente.

Mas seria a submissão verdadeiramente mais fácil? Aparentemente, sim. A submissão protege o indivíduo da hostilidade do poder. Permite-lhe viver sem a angústia da perseguição, sem o peso da exclusão social, sem o medo do sacrifício. No entanto, essa aparente facilidade é uma miragem, porque o preço da conformidade é o silencioso desmoronamento do espírito crítico, da autonomia, daquilo que faz do homem um ser verdadeiramente humano. Resistir, por outro lado, é um ato de criação: quem resiste a um regime não apenas desafia a sua autoridade, mas também imagina um mundo diferente, um horizonte mais amplo. A resistência é a semente de todas as transformações, e a sua dificuldade é proporcional à sua grandeza, sendo na resistência que o homem encontra a sua essência como ser livre, como agente da história e como criador de futuros.

Se é mais fácil submeter-se do que combater, a verdadeira questão não é qual o caminho menos árduo, mas qual o caminho mais digno. O conformismo é a negação do potencial humano, enquanto a luta, mesmo que aparentemente inglória, é a afirmação daquilo que nos define como seres racionais e éticos. Portanto, quando um regime nos convida à submissão, cabe-nos recordar que a facilidade é muitas vezes o disfarce da escravidão. Resistir pode ser difícil, mas é no esforço que reside a possibilidade de um amanhã mais livre, mais justo, mais humano. Porque a liberdade nunca foi gratuita: é sempre o fruto da coragem de quem ousou desafiar o peso da inevitabilidade.

 

por Carlos Vinhal Silva

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