Existem Homens que, em vez de pertencerem a grupos humanos, parecem integrar-se melhor em agrupamentos animais. Como gado, prescindem de toda a liberdade e racionalidade de que são dotados e limitam-se a seguir os carreiros que foram trilhados pelo pastor, aceitando acriticamente e sem luta qualquer destino que lhes seja oferecido, não contemplando qualquer outra possibilidade além daquela ditada pelo bom mestre que vive a vida por eles. Efetivamente, uma vida de obediência plena e cega aparenta permitir uma maior tranquilidade, na medida em que não alimenta conflitos ou revoltas internas, fomentando uma existência livre de ingerências da própria consciência, característica humana tão dada a não permitir o pacifismo relativamente ao status quo imposto pelo bom mestre.
Serve esta metáfora para demonstrar os perigos de pertencer a um rebanho humano, fazendo o que lhe dizem para fazer e como fazer, pensando como lhe dizem para pensar e como pensar. É a consciência humana que caracteriza a humanidade e a dota da racionalidade de escolher o seu próprio caminho, ao invés de se limitar a seguir as pegadas que estão em frente dos olhos: temos a capacidade e, acima de tudo, a liberdade de pensar, refletir, escolher; temos a capacidade e a liberdade de seguir em frente, voltar a trás, curvar à esquerda ou à direita ou de andar aos ziguezagues à procura do caminho que melhor se coaduna com os nossos valores. Não temos que seguir ninguém, mas podemos guiar-nos pelo exemplo dos verdadeiros bons mestres que pisaram as nossas terras e seguir não as suas pegadas literais, mas as pegadas do seu exemplo de humanidade, razão e liberdade.
Sofreremos tentativas de influenciar ou, em situações-limite, ditar os nossos pensamentos e a nossa conduta, tentando substituir os nossos princípios e valores por fundamentos dúbios que não se coadunam com a nossa liberdade e humanidade. Tratam-se de insultos indesculpáveis à nossa racionalidade, não só porque tentam deturpar a nossa essência, como eliminar a unicidade do nosso ser. Somos humanos que sabem que a vida, para o bem e para o mal, é um caminho, o nosso caminho, um bem valioso que outros insistem em retirá-lo de nós e fazê-la pertencer a um grupo de indivíduos que se julga legitimado a controlá-la e a dominá-la. Mas nem eles não essa legitimidade, nem nós devemos consentir e retroalimentar essa ideia, criando uma sensação de poder ilimitado em quem detém poder. O caminho que está nossa frente é nosso, somos nós que escolhemos o seu destino, apesar das dificuldades inerentes a essa escolha e a cada passo.
É mais difícil ser livre que puxar uma carroça, especialmente se a carroça for manietada por quem domina e controla parte da população. Mas é também muito mais satisfatória chegar a cada marco do caminho com a limpidez e liberdade da consciência que sabe que cada passo nos pertenceu realmente e que a pegada deixada na lama é a marca do nosso pé, com o nosso peso e a nossa medida, a nossa livre humanidade de existir.
Carlos Vinhal Silva