Opinião por Jorge Lopes, PSD: Reembolsos de IRS – Parábola do Apagão

Escrevo este texto, passadas sensivelmente vinte e quatro horas depois do apagão. Este evento transnacional, absolutamente imprevisível e impactante na rotina de milhões de cidadãos, teve a virtude de servir de mote a muitas reflexões de índole diversa. Serviu igualmente para, pelo menos durante algumas horas, deixarmos de ouvir e discutir sobre eleições legislativas, sondagens, programas eleitorais, debates políticos e… reembolsos de IRS (até porque a “máquina fiscal” também se desligou e o apagão durou mais umas horas do que em nossas casas).

Avizinha-se uma campanha eleitoral intensa e, este último tema (em concreto, a diminuição acentuada nos reembolsos de IRS) não deixará de ser um dos trunfos para as forças políticas que parecem querer perpetuar a flagrante iliteracia financeira da população portuguesa.

Lamentavelmente, tem-se percecionado que o facto de os contribuintes estarem a receber menores reembolsos de IRS ou terem mesmo de pagar imposto, que isso, por si só, configura um aumento de impostos. Nada mais errado! Cumpre, por isso mesmo, refletir e fazer pedagogia para que não nos tomem por néscios contribuintes.

Em 2024, os PORTUGUESES ENTREGARAM MENOS IMPOSTO AO ESTADO.

No princípio do ano tinha avançado uma redução de IRS (atualização dos escalões em 3% e redução das taxas gerais de IRS entre 1,25 pontos percentuais e 3,5 pontos percentuais até ao sexto escalão de tributação), por força da entrada em vigor do Orçamento de Estado do anterior Governo de António Costa. Em agosto, as taxas gerais do IRS foram novamente ajustadas, reduzindo entre 0,25 pontos percentuais e 1 ponto percentual para os primeiros seis escalões de tributação, com efeitos retroativos a janeiro, forçando a atualizar novamente as tabelas de retenção, o que permitiu insuflar a carteira dos contribuintes com mais alguns euros nos meses de setembro e outubro, dando bónus mensais acima dos 500 euros nos salários mais elevados.

Por seu turno, salários até 1.175 euros nem sequer tiveram de adiantar imposto ao Estado, no mesmo período. Já os pensionistas, não fizeram retenção na fonte até aos 1.202 euros para um solteiro, divorciado, viúvo ou casado (dois titulares)̶ quando anteriormente descontava logo a partir dos 838 euros mensais. Por último, as taxas de retenção aplicadas a partir de novembro foram inferiores às que estavam em vigor até agosto. No entanto, o rendimento líquido dos contribuintes foi inferior ao registado nos dois meses anteriores (setembro e outubro), período em que se aplicaram tabelas especiais, não beneficiando, desta feita, do efeito compensatório da retroatividade.

Feita esta resenha histórica, indispensável à contextualização do assunto e entendimento do mesmo, devemos questionar-nos sobre o porquê de tanta polémica com os menores reembolsos de IRS. Mas para isso também temos de saber do que se trata, afinal, a retenção na fonte.

Ora, a retenção na fonte é uma parte do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e constitui um mecanismo que permite ao Estado reter antecipadamente o imposto expectavelmente devido por um sujeito passivo num determinado ano fiscal. Quer isto dizer que todos os meses vamos adiantando dinheiro ao Estado por conta do IRS devido no final, sendo que, no momento de entrega da declaração de IRS, a Autoridade Tributária (AT) procede a um acerto, que resulta no pagamento do imposto restante ou no reembolso do que foi pago em excesso.

A doutrina fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, aponta para que se retenha exatamente o que é o resultado do rendimento de cada contribuinte, não o devendo extravasar. Assim, nem deveria haver lugar a reembolso (neutralidade), nem o contribuinte deveria ter de pagar mais imposto.

Em abono da verdade, tem sido feito um esforço para que estes adiantamentos sejam o mais aproximados possível do IRS final, através das calibrações sucessivas das tabelas de retenção na fonte. E qual é a consequência? Obviamente, um menor reembolso de IRS, já que o Estado arrecadou menos dinheiro em excesso e, pasme-se o leitor, esse dinheiro sempre foi seu!

A perceção de um aumento de impostos só se justifica pelos baixos índices de literacia financeira dos portugueses, que, também neste domínio fiscal, se revelam crónicos e que comprometem o entendimento sobre as medidas fiscais positivas que foram introduzidas em 2024. No fundo, quem está desiludido por verificar uma redução no reembolso de IRS, ao invés, devia estar tranquilo, já que aumentou o seu rendimento líquido mensal.

Bem sei que a maioria dos portugueses gostaria de ter um reembolso igual ou superior ao do ano anterior, afinal, assim foram habituados por um Estado que, por uma qualquer alquimia, leva os contribuintes a desejar que este fique com o seu dinheiro ao longo do ano, em troca de uma “prenda” que serve, não raras vezes, para fazer face a um pagamento de uma outra obrigação fiscal (IMI) ou um seguro ou mesmo para as férias…

As forças políticas que querem confundir os portugueses sugerindo que foram prejudicados, estão apenas a afirmar que não querem que os mesmos sejam livres de gerir o dinheiro que é seu.

Aos mais incautos, talvez inebriados pelo apagão, que parece ter também apagado a memória de uma certa entente política, recomendo um velho ditado português: “Não podes querer sol na Eira e chuva no Nabal”.

JORGE LOPES
Jurista no Banco de Portugal
Formador de Literacia Financeira

SUBSCREVA JÁ

NEWSLETTER

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Aceito Ler mais